sexta-feira, 13 de julho de 2012

Anda jantar, Pedro!

Anda jantar, Pedro!
Sem querer soar como um daqueles velhos chatos que anda constantemente a exclamar “ainda sou do tempo em que…” a verdade é que… sou do tempo em que os miúdos andavam na rua a brincar o dia todo, sem relógios e muito menos telemóveis para controlarem os seus horários. Só voltava para casa quando ouvia a minha mãe gritar “anda jantar, ...
Pedro!”. E nunca era à primeira.
Éramos todos uns “lingrinhas”; talvez houvesse um ou outro miúdo mais gorducho mas, sinceramente, não me lembro. Era tanta a energia que despendíamos a correr de um lado para outro e a andar de bicicleta que ninguém conseguia engordar, mesmo que tentasse muito. Mas também não existiam cadeias de “comida rápida”, computadores ou consolas de jogos…
Na altura, as bicicletas Vilar dominavam a cena. Alguns privilegiados andavam de Raleigh Chopper, aquelas com uma manete de mudanças parecida com as dos carros, mas eu andava de Vilar.
O termo singlespeed ainda não estava na moda, mas a minha Vilar não tinha mudanças; e os travões também não duraram lá muito tempo – as rodas rapidamente ficaram “feitas num oito”, à conta das mais variadas acrobacias a que a bicicleta foi sujeita, o que me obrigou a ver-me livre destes (úteis) dispositivos. A técnica do sapato de ténis contra o pneu traseiro, para desespero dos meus pais, passou a ser a única forma relativamente eficaz de parar a minha Vilar.
Sem mudanças e sem travões, a robusta Vilar passou por várias “fases”; foi uma bicicleta de “motocross”, quando lhe montei uns pneus cardados e um guiador de “motocross” tão largo que não cabia no portão, mas foi também uma moto de pista quando serrei esse mesmo guiador e o transformei nuns “avanços” que combinavam na perfeição com a “baquet” que fiz em madeira para colocar sobre o selim. Adorava a minha Vilar, tal como todos os miúdos adoravam as suas bicicletas. As bicicletas faziam parte do nosso dia-a-dia.
Actualmente, a situação é muito diferente. E, sem querer soar como um daqueles velhos chatos que anda constantemente a exclamar “ainda sou do tempo em que…”, não é melhor.
As crianças e os jovens alimentam-se mal, não gastam energia em actividades físicas (para além da pouca que é exigida para carregar em teclados de telemóveis, computadores ou consolas), e a larga maioria dos seus pais continua a alimentar esta catástrofe das mais variadas formas. Basta olhar para a porta de qualquer escola primária ou mesmo secundária à hora de saída e contar o número de carros estacionados, com um adulto sentado lá dentro à espera do filho ou da filha, e comparar esse mesmo número com a quantidade de crianças que saem da escola a pedalar. Acho que não é preciso dizer mais nada, infelizmente.
Interrogados, os pais usarão os chavões habituais: falta de segurança, trânsito caótico, etc. Mas não será mais uma questão cultural? Em Portugal, demasiadas pessoas vivem para os seus automóveis e continuam a olhar para os ciclistas como uns “desgraçados” que não têm dinheiro para andar de carro todos os dias. E passam essa visão para os seus filhos. As mentalidades demoram a mudar mas espero ainda um dia voltar aos tempos das “Vilares”, das crianças “lingrinhas” e das mães a gritar “anda jantar!”.


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